sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Relato de Marcos Pavanelli sobre a II Mostra de Teatro de Rua da Zona Norte

Olá amigas e amigos do teatro de todos os tempos, que ocupam os espaços públicos com sua arte e suas inquietações políticas, estéticas e estão espalhados por todo território nacional.



Hoje dia 31 de outubro de 2010, dia em que elegemos a primeira mulher presidenta deste país, aconteceu o encerramento da II Mostra de Teatro de Rua da Zona Norte, realizada pelo Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo em parceria com o coletivo CICAS (Centro Independente de Cultura Alternativa e Social), Sinfonia de Cães e MTR - SP (Movimento de Teatro de Rua de São Paulo).

Aconteceram três apresentações: A primeira foi do grupo Santista Quarteto, Trio Los Dos, que apresentou esquetes clássicas do circo brasileiro, mescladas com música, acrobacias e malabarismos. É um grupo novo com muita garra e que tem a pegada da rua, como diria nosso mestre, Calixto de Inhamuns: “Tem sangue nos olhos!”. Para sobreviver da sua arte recorrem aos semáforos, faróis e praças, de onde tiram o seu sustento e não deixam a peteca cair.

O Segundo grupo, o também jovem Trupe Arruacirco da Zona Leste de São Paulo, milita no Movimento Livre Leste da Cidade de São Paulo e MTR – SP. Apresentaram o espetáculo “Se os Tubarões Fossem Homens” que faz uma analogia entre os peixes explorados pelos tubarões e nossa sociedade.
Quem são os peixes? quem são os tubarões? Quem são os exploradores e colonizadores? Quem são os explorados e colonizados?
Alguns diriam: Que espetáculo panfletário!

Nós do Núcleo Pavanelli rebatemos: Viva o teatro panfletário! Viva o teatro popular que toma partido e diz claramente de que lado está e qual sua opinião diante do caos em que se encontra nossa sociedade capitalista baseada na propriedade privada e na exploração do homem pelo homem.

O último a se apresentar neste dia e que encerrou a mostra foi o veterano nas ruas deste Brasil, o grupo Buraco D´Oráculo, parceiros do Núcleo Pavanelli há muito tempo, desde os primórdios da fundação do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo. Com 12 anos de janela apresentou o espetáculo “Ser Tão Ser..Narrativas de Outra Margem”, com sua nova montagem. O espetáculo tem início em uma roda onde o público é convidado a cantar, ouvir causos e tomar um café que é feito na hora pelos atores/personagens e que, logo em seguida, convidam este mesmo público a ir para outro canto da praça onde será realizada a encenação.



Apesar do tema denso; falta de moradia e criação de políticas públicas para resolver o problema, o grupo conseguiu passar sua mensagem de forma poética, driblando com maestria os contratempos que ocorrem na maioria dos espetáculos encenados em praça pública, como por exemplo as "nossas" crianças, já habituadas com as frequentes apresentações e que passeavam no meio da cena sendo incluídas no espetáculo.

Na manhã do dia 24 de outubro recebemos em nossa sede no bairro do Tucuruvi o grupo Nativos Terra Rasgada de Sorocaba – SP, que chegou numa caravana de três carros com os integrantes do grupo e alguns familiares nos remetendo aos tempos das caravanas circenses e das trupes de commédia dell’arte . Nós do Núcleo Pavanelli nos juntamos a esta caravana e fomos para o Jardim. Julieta, na praça Carlos Kozeritz - a praça da feira, como a chamamos. Lá aconteceu o espetáculo “Pindorama, a Saga de um Cristo”, que narra a trajetória de Jesus pelo Brasil, em seus diversos momentos históricos: descobrimento do Brasil, proclamação da república entre outros, dando uma versão diferente da história oficial, sob a ótica do povo colonizado.

No dia das crianças, 12 de outubro foi a vez do Núcleo Pavanelli, levamos nosso espetáculo de repertório “O Básico do Circo” que estreou em 2.000 e neste ano comemora dez anos e mais de uma centena de apresentações pelo Brasil. A apresentação foi na rua, em frente ao CICAS e as crianças que já assistiram este mesmo espetáculo várias vezes e já se apropriaram do roteiro e das gagues foram, ao longo da apresentação, narrando aos que estavam ali pela primeira vez, o que os palhaços, a nova bailarina, o dono do circo e os músicos da trupe iriam aprontar a cada cena. Isto não tira o frescor e o prazer que os atores do Núcleo Pavanelli tem em apresentar este espetáculo durante todo este tempo.

Outro espetáculo que aconteceu na praça ao lado do CICAS no dia 10 de outubro, foi “A moça que casou com o diabo” da Companhia As Marias de São Bernardo do Campo – SP. O grupo passou o dia com o Núcleo Pavanelli e o pessoal do CICAS e participou de dois cortejos: um pela manhã, na praça da feira, antes do ensaio aberto do “Forroque” – uma encenação teatral / musical do Núcleo Pavanelli com a participação de Roger Duran “O Monobanda” integrante do coletivo Sinfonia de Cães e, a tarde o cortejo pelo Conjunto Habitacional e pelas vielas da comunidade ao redor do CICAS. Apesar da virada do tempo, que trouxe um frio danado, o público não perdeu mais essa oportunidade e até o fim da apresentação foi se achegando. A farsa divertiu, provocou a participação e a reflexão. Os atores jogavam, o público respondia e interferia o tempo todo como se o espetáculo fosse mesmo formado por um texto encenado por atores e público.

A Companhia dos Inventivos da cidade de São Paulo, trouxe no dia 09 de outubro , o espetáculo “Canteiro” e, por causa da chuva fina, a apresentação aconteceu dentro do galpão do CICAS. Tivemos um público de aproximadamente 50 pessoas, em sua maioria infantil. Os Inventivos, já nos primeiros minutos da encenação, conquistaram todos com sua energia e narrativa envolventes. O mais impressionante é que até as crianças de 2 e 3 anos ficaram quietas até o final, o público não tirava os olhos dos atores e participava quando solicitado.Com seus instrumentos musicais e de percussão confeccionados pelo grupo fizeram a gira e conclamaram todos os orixás para proteger e abençoar mais um espaço de resistência cultural que está se firmando na periferia da Zona Norte de São Paulo. Com adereços e cenários feitos de material reciclável e sucata este espetáculo é um belo exemplo de como o dinheiro público esta sendo bem utilizado pelos grupos de teatro de São Paulo. Ao final da apresentação a moçada dos Inventivos nos disse que esse tinha sido seu melhor público infantil. Então é Gooolll!

Na tarde do dia 25 de Setembro a Trupe Olho da Rua de Santos, litoral de São Paulo, também veteranos do teatro de rua do Brasil, apresentou “Batatas, Pinheiros e Outras Histórias”, em frente ao CICAS na rua do Poeta 740 , em uma programação do Festival Sinfonia de Cães que reúne várias bandas alternativas de Rock da Cidade de São Paulo. Numa rua com este nome não poderia faltar poesia, que o grupo trouxe junto com um tema não tão poético como a desapropriação de pessoas que moram em aéreas urbanas em nome do progresso, como aconteceu no bairro de Pinheiros e Largo da Batata. Aproveitando o ensejo e sua experiência em improvisar a Trupe Olho da Rua “brincou” e incluiu dentro de seu espetáculo a tentativa de demolição do CICAS pela subprefeitura da Vila Maria , em junho desse ano. Logo após a apresentação gravamos um relato que fará parte de um vídeo documentário que esta sendo elaborado pelo coletivo responsável pelo registro audiovisual do CICAS e ficamos surpresos com o amadurecimento de nossos discursos políticos e ideológicos. Parabéns Trupe Olho da Rua!

A II Mostra de Teatro de Rua da Zona Norte de São Paulo, começou no dia 19 de setembro de 2010 com o já tradicional cortejo do Núcleo Pavanelli pelas ruas do Jardim Julieta. Logo após o cortejo e junto com os atores e atrizes do Núcleo Pavanelli que formaram um trio nordestino com sanfona, zabumba e triangulo, o grupo Mamulengo da Folia, apresentou o espetáculo:
”A Festa da Rosinha Boca Mole” na praça Carlos Kozeritz . Danilo Cavalcante diretamente de Canhotinho - PE, um mamulengueiro de mão cheia, despejou naquela praça toda a tradição do mamulengo nordestino e brasileiro, envolvendo o público numa brincadeira gostosa e prazerosa como só os grandes mestres da cultura popular sabem fazer. Com sol quente e a praça cheia o mamulengo encantou adultos e crianças provocando um riso frouxo e um desejo de quero mais...Viva a cultura popular!!Viva o Mamulengo da Folia!.

Queremos destacar ainda dois pontos relevantes desta Mostra. O primeiro é sobre os cortejos. Espetáculos a parte que aconteceram nas ruas do conjunto habitacional, nas vielas da comunidade ao redor do CICAS e dentro da rua da feira. Em nossa primeira saída em cortejo encontramos em nossa trajetória, muitas pessoas do bairro que não vão até o local da apresentação dos espetáculos e nem freqüentam o Galpão e as atividades desenvolvidas no CICAS. São homens, mulheres, crianças e jovens, que saem de suas casas e apartamentos e ficam no portão pra ver a banda passar. O que começou timidamente, acabou tomando um corpo e chegamos a ficar até uma hora nessa caminhada. É o encontro o que mais nos interessa e é a partir dele que estamos pensando em outras intervenções para esse diálogo cênico musical.

A feira é a feira! Barracas de frutas e verduras, gritos de todos os lados, gente comprando e vendendo e nós lá, com nossa charanga que vai do começo ao fim. É um mar de gente misturada. Uns passam e cantam empolgados, outros nem tanto. Os feirantes já se acostumaram e entram no clima. No último cortejo um deles disse para uma atriz do grupo: “Ah, então é você que fica falando no microfone: é hoje,é hoje, é só chegar!, bom te conhecer”.

Por fim, o fato de termos realizado a II Mostra de Teatro de Rua da Zona Norte sem nenhum apoio financeiro, garantindo apenas com nosso fundo de caixa, um valor para o transporte dos grupos, conseguimos realizar mais esta ação que não é nossa e sim de todos os grupos, coletivos e pessoas que contribuem para a criação e manutenção de uma rede, cada vez mais fortalecida que são os Movimentos Locais e a Rede Brasileira de Teatro de Rua. Dentro da diversidade de expressões artísticas e também de opiniões, encontramos no fazer e no desejo de construir com o outro, seja ele artista ou público, um mundo melhor e mais justo onde todos tenham as mesmas oportunidades , onde todos possam ser ouvidos e dar sua contribuição para que aconteça uma grande revolução ética e moral , baseada no principio de que todos são iguais e cada um pode fazer a diferença no local onde mora, onde vive que é o mundo inteiro.

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